05/04/2021

Os anos dourados vão regressar à película cinematográfica do Porto. O Batalha Centro de Cinema está a nascer sem desvirtuar a matriz art déco que o distingue, mas incorporando contemporaneidade e novos usos culturais, com a missão de envolver toda a comunidade. Registe o convite para a estreia desta longa-metragem, em que os figurantes são as estrelas do cinema, para o início do próximo ano.


O argumento está feito, os atores escolhidos, o set em construção. O campo do Batalha está cercado a toda a volta por tapumes que contam a história daquelas paredes, altos e baixos dignos de uma boa trama.


Tempo, por isso, de escrever novas linhas na cronologia do mítico equipamento, tão querido entre os portuenses que até integra o livro de honra das expressões tripeiras. “Vai no Batalha!” é ir ao desengano, é não ser levado a sério, é mentir sem consequência. “Vai ao Batalha” é, daqui em diante, uma troca intencional de artigos com um sentido único: tornar este espaço de todos, um convite a explorar a sétima arte e a mergulhar no mundo da imagem em movimento.


A experiência imersiva já não está no segredo dos deuses: foi dada a conhecer recentemente com a apresentação da estratégica programática para o Batalha Centro de Cinema.


Na casa que vai tornar tudo isto possível, o projeto de arquitetura do Atelier 15 (dos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez) dá resposta aos desafios tecnológicos e usos culturais previstos, ao mesmo tempo que gere as vicissitudes patrimoniais de um edifício singular, classificado como Monumento de Interesse Público em 2012. Trata-se, em boa parte, de uma obra de restauro que preserva e tenta restabelecer as características do edifício original, inaugurado em 1947, com a assinatura do arquiteto Artur Andrade.


O trabalho corre no interior ao longo dos quatro pisos, e cada produtor segue o guião lhe foi entregue. No piso 0 está a ser construído um bar, resultante da recuperação do antigo salão de chá (onde nos anos 70 foi construída a Sala Bebé), que fica igualmente equipado para exibições e performances. Neste piso à superfície da rua, vai ser também instalada uma loja de artigos de cinema, elemento novo no projeto que nasce junto à entrada da Praça da Batalha; e vão ser ainda criadas zonas administrativas e técnicas, além de sanitários.


Este aproveitamento do espaço espelha o autêntico puzzle montado pelos arquitetos, por forma a que todos os percursos no interior do edifício, zonas de circulação e zonas de estar se adequassem a áreas de natureza mais utilitária ou com alguma finalidade expositiva.



No piso 1, a Sala Grande compõe-se para 341 lugares. Detalhadamente, 183 assentos na plateia, 112 na tribuna (ao nível do piso 2), e do alto do piso 3 um balcão com 42 assentos. A sala de projeção vai ficar preparada para exibição de formatos digitais e analógicos, ao passo que a régie surge como novo elemento em betão.


É aqui, dentro desta sala, que a magnitude da obra do Cinema Batalha mais se faz sentir. O pé direito obriga-nos a esticar o pescoço e a imaginar tudo aquilo que ainda está para vir, varrendo do campo de visão a encruzilhada de cabos à vista, o tom cru do betuminoso ou as tábuas de cortiça. O burburinho do público, a tela de projeção a descer, os equipamentos de som e iluminação a fazerem o seu trabalho, a parafernália tão característica deste tipo de ambiente em ação.


De volta à realidade. No primeiro piso vai nascer ainda uma galeria dedicada às artes visuais, com uma área aproximada de 65 metros quadrados. Rui Moreira viu exatamente onde o espaço vai ficar instalado na recente visita que fez à obra, conduzido por Cátia Meirinhos, administradora executiva da GO Porto, empresa municipal que gere a empreitada do Cinema Batalha.


Mais um lanço de degraus, no andar de cima, o foyer lateral do piso 2 vai ser aproveitado para uma biblioteca especializada em cinema, com zona de leitura. Ao mesmo nível, levanta-se uma mediateca que pretende absorver o património fílmico da cidade do Porto, com um arquivo digital que vai ser trabalhado ao longo dos anos. E, para aguçar a curiosidade, prepara-se a Whitebox.


No piso 4, ao lado do bar, a nova Sala Estúdio recebe 126 lugares e fica igualmente apta, tal como a Sala Grande, a projetar formatos digitais e analógicos, em caixa autónoma.


Depois de outros tantos lanços de escada, chega-se ao último andar do Batalha, aquele que tem um terraço com vistas para a praça, para o Teatro Nacional São João e para a Igreja de Santo Ildefonso. Dois santos a proteger o Batalha Centro de Cinema.


Principais trabalhos executados e em curso


No terraço, além da cobertura de fibrocimento que foi totalmente removida para dar lugar a uma nova estrutura plana, os trabalhos já executados contemplaram a impermeabilização do piso e a aplicação de soletos de betão.


A obra também corre quando se olha para a betonagem de paredes, vigas e laje; para a demolição de elementos existentes; ou para o reforço das estruturas metálicas que aguardam os equipamentos de projeção e som. Entre os trabalhos executados acrescenta-se a estrutura criada para receber as cadeiras das salas de cinema, bem como a aplicação das caixilharias e dos rebocos da fachada.


Atualmente, os trabalhos em curso concentram-se na conservação e restauro do baixo-relevo da fachada, que foi alvo de censura. Da autoria do artista Américo Soares Braga, a obra mostra uma figura feminina, que representa a ceifeira; à direita da mulher está um operário com uma corrente ao ombro, mas de mãos vazias, porque o martelo que devia segurar foi mandado retirar pela PIDE, por considerar o objeto um símbolo revolucionário. Não nos esqueçamos que o Cinema Batalha inaugurou durante o Estado Novo. É a este grau de detalhe que a empreitada vai: o martelo será reposto, tal como era a intenção original do artista.


Mais para a frente, o calendário da obra vai avançar com a execução de acabamentos da fachada (pedra, pinturas e elementos em cobre); a aplicação de revestimentos acústicos; os revestimentos de paredes, sejam eles em pedra, madeira e pinturas; os acabamentos de pavimentos (marmorite, madeira e alcatifa); trabalhos de carpintarias; a aplicação de cadeiras e de elementos de palco, como a teia e a cortina; e a colocação de todo o mobiliário.


Não é novidade que registos antigos indicam que o Cinema Batalha já teve no seu interior obras de pintura ou frescos de autores como Júlio Pomar, Augusto Gomes, António Sampaio e Altino. A GO Porto está atenta, e com o avanço dos trabalhos vai indagar pela existência e reabilitação destes elementos. Caso existam, será igualmente avaliado se são passíveis de recuperar.


A empreitada corresponde a um investimento municipal de aproximadamente 4 milhões de euros e teve início em novembro de 2019, depois de quase dois anos à espera do visto do Tribunal de Contas. Neste período, o estado de conservação do edifício deteriorou-se de forma tão acelerada, que obrigou a uma reavaliação do projeto.


Uma equipa nuclear já está a trabalhar na programação, sob coordenação de Guilherme Blanc, diretor artístico que Rui Moreira nomeou para o Batalha Centro de Cinema.


O equipamento está arrendado ao Município do Porto por um período de 25 anos e vai ser devolvido à cidade, mais de uma década após o seu encerramento, e retomando a sua função cultural centrada no cinema.

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