22/01/2019

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou esta tarde que "cada dia perdido no projeto de reconversão do Matadouro de Campanhã é um dia perdido para todos os portugueses".


O Presidente da República esteve no Antigo Matadouro Industrial, a convite de Rui Moreira, para se inteirar do que ali vai ser feito e sensibilizar "os que ainda não estão convertidos" a reconhecer a excecionalidade da obra que, no seu entender, deve avançar o quanto antes.


No epicentro do Antigo Matadouro, o Presidente da República agradeceu ao Presidente da Câmara do Porto a oportunidade de conhecer no próprio local um projeto que o seduziu desde a primeira hora. E explicou porquê: no seu passado enquanto autarca, Marcelo Rebelo de Sousa esteve envolvido em dois projetos fundamentais para a reconfiguração da cidade de Lisboa, mas também do país: a Expo 98 e o Centro Cultural de Belém.

"Como autarca tive a oportunidade de acompanhar intimamente o por de pé o projeto Expo 98. Estava na Câmara de Lisboa uma maioria liderada por Jorge Sampaio e eu liderava a oposição. No entanto, entendi que há questões transversais, de regime e até de incidência nacional". Por isso, aproximou-se à maioria municipal nesta questão, o que "permitiu formar unanimidade em torno de um projeto urbanístico que era municipal, mas também tinha dimensão nacional".

Outra experiência mais antiga, recordou, foi a da integração numa equipa que preparou um projeto para o Centro Cultural de Belém que, embora não ganhadora, possibilitou ao atual Presidente da República "trabalhar com arquitetos e urbanistas num projeto igualmente multidimensional, daqueles que muda a face de uma cidade".

Feita esta contextualização, a ligação ao Matadouro de Campanhã era óbvia. "Estão a perceber porque tive grande facilidade em vir apoiar este projeto para o Antigo Matadouro Municipal. Não apenas por ser um projeto transversal, concitando a unanimidade das forças políticas, mas sobretudo por se tratar de um projeto que é multidimensional, porque tem cultura, economia e coesão social. Tem, portanto, inúmeras vertentes que lhe dão condições para abrir caminho para um pólo urbano único na oportunidade, no tempo, espaço e no consenso social".

Como enfatizou Marcelo Rebelo de Sousa, evocando a sua experiência, "isto não acontece muitas vezes na vida". Até porque, considera, a força de um município "está na sua coesão social", na qual se inclui a própria coesão territorial.

Para o Chefe de Estado é "nas zonas que correm o risco de ficar para trás que se deve apostar forte", pois, caso contrário, "corre-se o risco de ser redundante e de acentuar assimetrias e condenar quem já está em risco de ficar condenado".

Fazendo o paralelismo com a freguesia mais oriental do Porto, constatou que "ao longo de demasiadas décadas se verificou uma marginalização de uma realidade riquíssima que é Campanhã, tanto do ponto de vista humano, social como comunitário".



Reconversão do Matadouro é "fazer urbanismo de futuro"

Referindo-se ao projeto do Matadouro, o Presidente da República disse que quando percebeu que "o que estava em causa era religar tecido urbano, pondo fim ao risco de uma marginalização, corrigindo as vias de comunicação que tinham constituído uma espécie de muro de fronteira" só podia apoiar o projeto. Tanto mais que vai ser construída uma ponte (no sentido figurado e literal) "contra tudo o que muitos considerariam improvável", e erguido um pólo cultural, museológico, de indústrias criativas e empresarial.

Isto é "fazer urbanismo de futuro" concluiu Marcelo Rebelo de Sousa perante uma sala repleta de gente, destacando ainda como vantagem o facto de, findo o período da concessão de 30 anos, e onde os privados vão investir cerca de 40 milhões de euros, o imóvel regressar à esfera municipal. "Gostei de neste projeto a propriedade continuar pública. Porque é que as jóias da coroa tem de ser alienadas?". 

Fazendo referência ao "arrojo" de envolver no projeto o arquiteto japonês Kengo Kuma, "apostando em quem na outra ponta do mundo cria e fica seduzido por esta oportunidade", o Presidente da República sublinhou a "oportunidade raríssima" de intervencionar uma área desta dimensão.

Admitindo que pode sempre dizer-se que outros modelos poderiam ter sido seguidos, Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma observação: "quem é mandatado para fazer as escolhas? Os autarcas" eleitos pelos cidadãos.

"O que é excecional exige soluções excecionais"

Pelo facto de ser um projeto tão singular, a dúvida de "não caber nos quadros clássicos da visão administrativa do sistema português" é ultrapassada com uma simples resposta: "o que é excecional exige soluções excecionais", disse Marcelo Rebelo de Sousa relembrando o exemplo da Expo 98.

"Este é um grande projeto urbanístico. É uma realidade que não é de um presidente, de uma câmara ou de um mandato. Projeta-se no tempo e no espaço, até porque as pessoas passam. Uma opção destas quer-se para perdurar nos seus efeitos transformacionais. Entendo que é uma oportunidade a não perder", atestou.

"Como é que depois os juristas, burocratas e tecnocratas enquadram esta realidade de uma forma que a seus olhos não violente os princípios constitucionais? Isso parece-me, apesar de tudo, fácil de concretizar perante a singularidade da ocasião".

A mensagem do Chefe de Estado português tinha um destinatário claro: o Tribunal de Contas (TdC), que desde agosto de 2018 tem na sua posse o projeto do Matadouro, mas passados todos estes meses ainda não deu luz verde com o visto para que a obra possa avançar. Isto porque, de cada vez que o TdC levanta questões ao Município (sendo todas elas respondidas), o prazo de 30 dias que tem para se pronunciar é suspendido e, posteriormente, a contagem dos dias retomada do seu início.

"Com o muito que aprendi enquanto autarca e em matéria urbanismo e de coesão social, perante uma oportunidade destas não podia deixar de manifestar o meu apoio, que é baseado no bom senso", declarou.

"Se há vontade autárquica unânime, se há uma oportunidade única, se há um projeto revolucionário numa área única, que encontra uma expressão não apenas arquitetónica, mas também urbanística global, importante para o Município e para a Região", com escala nacional e internacional, "então metamos mãos à obra, tratemos de converter os ainda não-convertidos e encontrar as soluções adequadas para que os não-convertidos se convertam rapidamente".

Nas palavras finais de Marcelo Rebelo de Sousa, "cada dia perdido num projeto destes é um dia perdido para todos os portugueses".

"Matadouro corporiza o que a cidade quer há cinco anos"

Na sua intervenção, o Presidente da Câmara do Porto lembrou que esta é uma ambição da cidade desde 2013, uma espécie de "virar de página", e que deste projeto depende a coesão territorial da cidade.

A estratégia está desenhada e Rui Moreira quer pô-la em prática o mais rápido possível. Até porque ali vai nascer a rua do Porto, onde a população poderá "facilmente aceder aos meios de transporte [Terminal do Dragão] através de uma ponte", circulando entre projetos de cariz empresarial, social, cultural, galerias de arte e ateliers de artes e ofícios tradicionais.

Plano corroborado pelo arquiteto Diogo Brito, do gabinete de arquitetos OODA (coautores do projeto em parceria com Kengo Kuma), que explicou os pormenores do projeto, salientando que o "grande desafio será pegar no edifício e colocá-lo de novo à superfície".

E Rui Moreira, que não negou a sua satisfação por ter sido uma empresa portuense a vencer o projeto (a Mota Engil), está convicto de que "este é o local indicado para cerzir o território, presidindo ao pensamento estratégico de reabilitação de toda a zona oriental da cidade".

"Agora só precisamos de lançar agora mãos à obra", concluiu o autarca.

Ver também
Notícias